C: Segue sendo assim, Joelmita.
J: Tô cansada. Outro dia, o João e a Tânia me contaram que
assim que me convidam prum barzinho ou algo do gênero, já vão prometendo aos
amigos: ‘ temos uma amiga divertidíssima, com ela não tem jeito da prosa
falhar’. E lá vou eu suprir essas expectativas. Solto umas piadas, engato a
conversa a partir do que vão sugestionando, os palavrões vão brotando ali e
acolá. Se tiver um sujeito crente na roda, fica logo espantado. Dá pra ver
pelas expressões de constrangimento na cara dele. Quando solta um ‘benza a Deus’
no meio duma frase ou outra, eu já tento reter os palavrões...
C:hahaha... Que bobeira, Jô! Você nasceu assim, desbocada. Isso faz parte de você. Se um dia não sair um ‘que merda’ da sua boca, vou até me assustar.
C:hahaha... Que bobeira, Jô! Você nasceu assim, desbocada. Isso faz parte de você. Se um dia não sair um ‘que merda’ da sua boca, vou até me assustar.
J: Nascer falando palavrão não nasci, mas desde que ouvi algumas
pessoas os dizendo, não como uma forma de ofender, mas como uma interjeição no
meio da fala, achei o palavrão uma maneira tão boa de dar ênfase a alguns
pontos da conversa, que acabei aderindo às palavras “feias”. Sei lá, sempre vi
de forma romântica a chulice da fala. Dá autenticidade à conversa em alguns
momentos... Quem sabe falar bem o palavrão é o povo baiano, em tudo eles
incluem a palavra foda. E lá vão eles dizendo: ‘esse acarajé tá de fude!’ Outro
dia uma amiga me disse: ‘Jô, você tem de parar de falar tanto palavrão, os
homens nobres vão acabar se afastando’. Daí não resisti e falei : ‘não quero
homens nobres, quero os mundanos mesmo’.
C: Ah, deixa de ser besta. Você realmente é uma das pessoas com o
melhor papo que eu conheço. É um catálogo de temas ambulante. Quando você vê
que a pessoa tá sem assunto, faz uma perguntinha e mais outra, daí consegue
ainda extrair desse alguém uma prosa...
J: É assim que uma boa samaritana faz milagre. Tem gente que
pensa que pra entrar num papo fiado basta estar presente. Não é assim, caramba!
Pra conversar precisa de algum engajamento. Ficam o sujeito e a sujeita
passivos só esperando a próxima pergunta pra eles poderem responder. O pior é
que ainda tem gente que tem preguiça até de falar. Fica num monossilabismo
irritante. Daí não tem jeito. Acabo questionando: ‘Você consegue sair de casa
só pra ficar me escutando? Haja paciência, viu!’ Alguns riem e acabam
destravando... Ufa!
C: Pois é, por isso que a gente acaba te chamando. Pra não deixar
ficar aquele silêncio constrangedor. É tão confortável saber que tem uma pessoa
bem humorada que vai dar combustível ao convercê...
J: Essa história de eu ser a mulher engraçadinha do pedaço
espanta um pouco os rapazóides. A mulher é sempre a pudica do lugar.
Posiciona-se nos assuntos de forma contextualizada, incrementa o papo. Tá
ok. Isso eu também faço, mas não resisto a uma boa esculhambadinha. Fico
manjando as pessoas da roda e, rapidamente, consigo pegar as características
delas. Assim que percebo deslizes nas falas, acabo fazendo troça. Isso espanta
a comunidade masculina, já percebi isso.
C: Jô, de onde você tirou essa paranóia?
J: Veja bem, esse negócio de observar o que os outros tão dizendo
pra poder tirar um sarro da cara das pessoas e fazer todos rirem, é coisa de
menino. Desde pequenos, os homens são treinados para se safarem das sacaneadas
dos amigos. Se um sujeito corta o cabelo um pouco na moda, já vão chamando o
cara de boiola. Ele raciocina rápido e dá-lhes uma bela resposta inteligente e,
ainda sai por cima da carne seca, mostrando que conseguiu superar a barreira do
cabelito diferenciado. Isso quando o guri não fala que é gay mesmo e sai
correndo atrás dos amigos da onça pra tentar dar um beijo, só de sacanagem. A
gente não... As mulheres são sensíveis. Sabem que podem ferir a outra menina
sacaneando, por exemplo, o cabelo tingido de loiro que acabou ficando um pouco
esverdeado.
C: hahaha... Você tem razão. Lembra da Maria, ela tingia o cabelo
de loiro e como sempre praticou natação, o contato com o cloro da água acabou
deixando a cabeleira dela verde. Quando ela chegou na escola, todas nós
fingimos que não vimos nada, mas você foi a única a fazer o comentário: ‘Ei
Maria, agora você virou punk?’ E ainda começou a tocar uma guitarra invisível.
hahahaha
J: Até hoje essa menina não fala comigo, depois de 11 anos já
tendo se passado. O pior é que nem fiz por mal. Eu não tenho o filtro da
sensibilidade. As minhas impressões são arrotadas sem a menor delicadeza. Isso
acaba assustando os outros.
C: Mas no dia seguinte ela tingiu o cabelo de moreno escuro. Você
acabou fazendo um bem a ela...
J: É a tradicional hipocrisia da mentalidade feminina. Comenta-se
tudo sobre tudo, mas não na frente da protagonista, porque pode ferir os sentimentos.
É a dificuldade de ver a vida com bom humor. Rir das merdas que
acontecem. Tudo é dito cheio de não me toques irritantes.
C: Jô, você está sendo injusta. Pombas! Acaba sendo a nossa
estratégia de sobrevivência também. Somos assim, mais complicadinhas. Queremos
agradar pra não machucar, mas não nos aguentamos e temos que sair comentando
tudo.
J: A expressão ‘pombas’ é denunciadora de idade, Clara! Hahaha...
Pára de falar: ´Pombas’! Se você incluir da próxima vez: ‘Putz grila’. Vai ter
de se ver comigo. hahahaha... Mas é tão mais interessante já dizer tudo o que
se pensa com bom humor. Sem tanto ressentimento. Tudo bem, pra tudo tem limite.
Mas o limite acaba sendo dado pelo bom humor do outro também. E dá-lhe boas
respostas para uma sacaneadinha.
C: hahahaha... Da próxima vez que eu observar um cara gostosinho
por perto, vou dizer: ‘Nossa, aquele sujeito é um pão’. Satisfeita?! hahaha...
Poxa vida, mas aí eu apelei, ‘pão’ é expressão da época da vovó... É menina,
mas nem todo mundo nasceu tão boa de espírito assim. Nessas sacaneadas os
traumas podem vir à tona...
J: Ai, que papo de psicóloga. Daqui a pouco, ninguém vai
ser espontâneo... Todos vamos pisar em ovos pra conversarmos... Ah, não. Que
encheção de saco...
C: Tá certo, Jô! Só tô te dando o contraponto. Sem piadistas por
perto, tudo acaba ficando meio sem graça mesmo. Mas afinal, que papo de maluca
é esse? Você primeiro se questiona sobre o fato de as pessoas te acharem
engraçada, que isso é postura masculina e que os cabras te rejeitam por você
ser assim e, ainda por cima, depois vem em defesa do bom humor?!
J: hahaha... Eita menina! Não é que você é boa nessa arte de
escutar amigas mesmo... Tô sendo a contradição em pessoa, hein. É essa TPM,
viu. Não que eu queira banalizar esse estado feminino, mas como eu tenho a
capacidade de ficar: carente, problemática, contraditória e doida nesse período.
Afe!
C: Pode incluir as variações hormonais na sua lista de
insatisfações quanto ao jeito feminino de ser, viu. Sem esquecer as cólicas
menstruais dolorosas mensais, que o nosso organismo nos faz sentir. Parece que
faz de propósito. Só pra não nos deixar esquecer que a gente possui ovário e
que ele não foi fecundado naquele mês...
J: Ufa... A cólica de vez em quando é um alívio, né não?!
C: Oh, se é! Jô, tenho de ir.
J: Vou colocar um tênis e dar uma corridinha. Quem sabe a
serotonina acaba apaziguando a progesterona e o estrógeno.
C: Faz isso. Tchauzim.
J: Obrigada, Clarita!
Nenhum comentário:
Postar um comentário