terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Forjar-se


artista Cherie Strong

De tão pouco que se conhecia, forjava a própria aparência. Todas as manhãs, escolhia uma maneira nova de se mostrar. De um dia para outro, sabia que poderia atrair novos olhares a depender da roupa, da postura, das pausas na fala. Era uma lagarta assim que despertava, e conforme ia caminhando até o banheiro sua alma se borboleteava.

Até que um dia se olhou no espelho e vasculhou os traços que davam expressão ao seu rosto. Atentou para as linhas que delineavam o seu corpo. Voltou-se para o guarda-roupa e não quis nenhuma vestimenta. Saiu nua. Na rua, ninguém a observava. Era transparente aos olhares dos transeuntes. Por que não se envergonhava diante daquela inusitada experiência? Somente seguia colocando um passo diante do outro. Seu corpo, por inteiro, sentia a brisa e o calor do sol. Toda sua pele respirava.

Caminhou, em silêncio, até o parque inundado de pessoas, porque era feriado. As crianças corriam, gritavam brincando de pic-pega. Voltou ao seu apartamento. Alcançou o quarto e lá se viu. Seu corpo continuava ali, em frente ao guarda-roupa, sem saber quem queria aparentar ser naquele dia. Seu pensamento tinha caminhado livre. Mas já tinha voltado a si.

Foi até a janela, abriu as cortinas e deixou o sol entrar. Vestiu uma saia longa azul qualquer. Queria deixar o tecido pousar em sua pele e deixar o tronco nu, para sentir o sol de duas formas, sobre o tecido e diretamente sobre sua pele. Permaneceu ali, na cama, seminua, sem querer forjar-se aquele dia.

2 comentários:

  1. [pá, pá, pá, pá, ...]

    Meus aplausos, Hanna.

    Excelente!

    Sempre há uma revelação para nós mesmos do queremos mostrar e outra muito maior do que esperamos que vejam em nós.

    Abraço!

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