domingo, 27 de dezembro de 2015

Entre nuvens



Ela nasceu na década passada onde a vida era menos tecnológica, sem tantas parafernálias absorvedoras de minutos, comprometedoras de horas. Um link leva ao outro que leva ao outro que leva a mais um.

Sempre que se dava conta do ponteiro,  acabava por ter a sensação de que foi absorvida por um outro plano esquecido da vida, porque estar naquele mundo era parecer não saber viver, era se perder no vácuo de retalhos de informações. No nó da web, pouco sabia o que originou o primeiro clique e uma nebulosa massa disforme se formava em sua mente.

Nessa realidade lá estava ela em mais um desses encontros fortuitos possibilitado por uma troca de alguns cliques no teclado.

Ela diante do desconhecido era inábil. Não sabia fazer-se interessante, inteligente e sutil. Parecia um animal gigantesco destrambelhado, sem limites e travas sociais em alguns momentos; em outros, calava-se sem saber o que dizer, porque dizer demais poderia conduzir o sujeito à interpretação de que estava diante de uma rádio indiscreta e, se falasse pouco, não demonstraria conteúdo.

Deveria falar mais sobre o mundo ou sobre si? Poderia parecer ridícula se expusesse esse ser cheio de contradições, incongruências e incertezas? Poderia dizer bobagens? No conturbado miolo desconhecido de encontrar alguém numa sociedade em que as pessoas estão mais esquisitas e ela inclusive, como se colocar?

Seria o fato de estar num mundo onde a superficialidade dos encontros parecia prevalecer? Seria a tecnologia que levou a essa carência de formas mais autênticas e profundas de se conhecer alguém?

Quem sabe certa peça da vida teria sido esquecida no meio do caminho. O parafuso fundamental da necessidade humana de conhecer pessoas e destrinchar histórias de vida. Os seres humanos, em certa medida, perderam a capacidade de escutar e olhar no olho, dada às inúmeras portas abertas pela tecnologia.

Talvez seja a facilidade de hoje em dia encontrarem guetos confortáveis, em que pessoas com pensamentos comuns se associam em redes de debates e onde o anonimato exacerbou a intransigência  e afogou o diálogo.

Ela se questionava sobre a esquisitice das pessoas que conhecia por aí. A inabilidade que os seres humanos têm tido de cultivar laços mais intensos. A fugacidade dos encontros e a grande possibilidade dos desencontros. Pessoas que desistem facilmente umas das outras diante da adversidade.

Só sabia de uma coisa: era preciso se afastar dessa rotina de terabytes, de redes sociais, de conexões fugazes, do amontoado de informações e pessoas desconexas.

Era necessário esquecer-se,  perder-se e, mais uma vez, ajeitar um punhado de roupa e colocar o pé na estrada. Ficar offline.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Encontros



Se a todos fosse dada a oportunidade de se desfazer em mil, de se arriscar na tarefa, nada fácil, de se jogar na incerteza de um relacionamento, seria o sinal de que estaríamos permitindo sermos volúveis, sentimentais, piegas; numa sociedade em que, a cada dia, preza-se pela certeza, segurança e racionalidade.

Todos seríamos heróis do não saber o que está por vir, seríamos descontrolados, porque a paixão prega peças e são elas que nos trazem o estado mais instável do ser. O choro, o riso, a harmonia, a cumplicidade. Descargas de adrenalina por minutos vividos. E bem vividos!

 Ah, aquela singeleza de encontrar o olhar de interesse no olhar cruzado, que permanece por um breve instante, e se permite entrar, e se permite vasculhar, e se permite conhecer, e se permite destrinchar, até o mais profundo que possa alcançar.

Mas há aqueles que por temerem o rateio diário de compartilhamentos de histórias, vivenciam suas individualidades tortas e se distraem não mirando os que os circundam, possíveis parceiros.

Esses tipos temem a possibilidade de permitir deixar entrar o outro ser que poderia vasculhar zonas demasiado escondidas. E, nesse espaço nunca visitado, onde se pesa e se foge de si, esvai-se tempo, torcem-se as memórias que poderiam ser construídas na companhia daquele que aniquilaria a racionalidade, o controle de dias tique-taques.


Aqui está uma ode à vulnerabilidade deliciosa dos que estão apaixonados, seja por um minuto, seja por um dia, seja por anos a fio. Aqui está um grito de clamor por uma sociedade mais amorosa, mais intensa, mais enamorada, em que compartilhamos tempo, em que o tempo, por vezes, inexiste. Momento em que a paixão não quer ser fugaz, quer ser raiz fincada no solo, no terraço, em todas as marcas do corpo, em todas as esferas do ser. 

domingo, 24 de maio de 2015

Desembrulhando a vida




Se um dia fosse possível a todos desfazer parte do que construiu, transformar isso em alguns tostões e caminhar pelas estradas de diferentes lugares, todos seríamos quiçá menos ensimesmados, menos mecanizados, menos produtores de lixo, mais consumidores de experiências, sensações e descobertas.

Se a todos fosse dada a chance de sair do seu universo interior e vasculhar outras formas de vida, de palavras; talvez fossemos menos carentes de presença em redes desconexas, desarranjadas, sem afetuosidade.

Quem sabe poderíamos desfazer o miolo de respostas prontas, socialmente engessadas. Não teríamos medo de sermos volúveis, desconexos e desestruturados. Afinal, de que serve a vida coerentemente traçada em passos cartesianos e metodicamente alinhavados.

Ah, se a cada sintoma de disfuncionalidade dos sinais vitais, todos chutássemos o balde e nos entregássemos às estradas geográficas que circundam o mundo com suas diferentes paisagens e pessoas, toda a sociedade ganharia em amabilidade.

Por que ainda damos demasiada importância a uma vida com raízes, vigas e estruturas? Indo em busca disso, dia e noite, noite e dia, dignificando esse status. Qualificamo-nos, denominamo-nos. Assim, diante dos diferentes adjetivos que as instituições e pessoas nos dão, muitas vezes, não nos reconhecemos.

Perdemo-nos em questionamentos que exigem respostas plausíveis e racionais. Mas, as tais respostas inevitavelmente são inacabadas, truncadas e, muitas delas, inexistentes.

Nesse sentido, sair do lugar comum, do lugar de origem, viajar possibilita uma imersão nessa sinuosidade que é viver. Percebemos a condição de sermos humanos.

Seria demasiado utópico incluir na cesta básica dos direitos fundamentais de cada cidadão a possibilidade de viajar, nem que fosse pelas palavras?

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Carnavalização dos desassossegados

Todo ano tudo recomeça:
É vida que corre aposentada,
Pessoas viram fantasias,
Travestem-se de possibilidades.

No aglomerado, se encontram
E no desencontro se reencontram
Nos beijos, sem palavras prévias,
Preenchem as horas de folia

É efusividade de ritmos,
Os pés caminham na contramão do vazio,
A multidão é levada num corpo, 
Que desemboca em melodias. 

Na quarta-feira de cinzas, o azul do dia escurece
É a tristeza que vem chegando, 
A máscara desprega do rosto
E a realidade reaparece.

Sem esquecer que ano próximo,
Outros ventos se aproximam
E os desassossegados recriam
Outras histórias resignificadas.

Empilham-se memórias
Nesse desvario de personagens
Na embriaguez, desses fugazes dias
Em que tudo transpira saudade.