quarta-feira, 15 de maio de 2024

Semeando nascentes de água doce no sertão

 

 


 

De tão árido que estava o tempo, os bezerros faleciam, os sertanejos eram carcomidos pela fome. Da terra só brotava xique-xique. Eu era parte daquilo tudo e temia que o pouco de vida que restava se transformasse em pó.

Apesar daquela beleza que transpirava morte na solidão da falta, algo aqui dentro de mim nasceu como compaixão e dos meus pensamentos desejosos de algo ser realizado ali, minha barriga começou a doer, era como se raízes estivessem sendo geradas dentro de mim, não conseguia evitar, a dor era profunda.

Séculos de aridez foram transformados em raízes. Os meus pés foram se infiltrando na terra seca. O meu corpo foi se transformando em tronco. Do topo da minha cabeça não surgiram galhos, nem folhas, nem frutos. No topo, surgiu uma boca aberta para o céu e dali jorraram sementes que iam se espalhando por todo o sertão.

As sementes penetravam a terra e a cada broto gerado surgiam nascentes de água doce. Aos poucos, aquela imensidão árida deixou de ser tão esqueleticamente bonita. A vegetação começou um processo de mudança. A vermelhidão da terra seca, migrou para o verde da vegetação nutrida pela umidade. Os animais engordaram, outros tantos migraram para lá.

De uma paisagem desnutrida, uma outra nascia e se revitalizava. Os poucos humanos que ali viviam foram despejados para outros cantos. As nascentes de água doce que brotavam rejeitavam a humanidade. Os cursos de água fugiam a qualquer preço dos seres humanos. Não se sabia explicar o porquê da intolerância à humanidade. Algo de mágoa, algo de triste habitava as nascentes.

Os poucos esquálidos que ainda resistiam a não sair tiveram que rumar para outros lugares por conta da solidão que começava a habitar suas vidas de forma aterrorizante. Não tiveram outra escolha, foram buscando outros abrigos, o sertão de suas profundezas e incertezas não mais existia.

O lugar foi se transformando em uma selva intransponível à humanidade.

 

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