Não acredito que
estou há trinta segundos olhando para dentro da geladeira procurando
açúcar. Nem cheguei aos cinquenta, a Covid não me trouxe sequelas
(acho) e eu continuo a procurar coisas no lugar onde até hoje não
as coloquei.
Se um dia encontrar forma de gelo com água no armário, vou
realmente começar a me preocupar. Já pensei em fazer meditação,
mas sofro por não conseguir me concentrar na respiração (os
pensamentos me afundam). Ultimamente, vejo
dizeres cheios de significado. Na verdade, frases de efeito. Reverberam tanto que chega o impulso de partilhar. Mas,
em poucos segundos, volto a mim e penso: não faça isso, vão pensar
que você alcançou a idade em
que as pessoas têm mais tempo para espalhar esse tipo coisa (e eu
acho
que não estou
nela). Ainda não comecei a
anunciar bons-dias, boas-tardes, boas-noites com sax do Kenny G de
fundo musical. De uns tempos pra cá, tenho observado mais
as pessoas, sejam
elas próximas; sejam,
distantes e
enxergo algo de volúvel em todos nós. Há um
rareamento das trocas
revitalizantes. Talvez seja
essa cidade tão planejada que, por vezes, parece vila de interior
sem a presença de estranhos tentando fuxicar sua rotina. Ou talvez
seja a preguiça de sair do conforto das escolhas regadas a redes
mais tecnológicas que dão menos trabalho de sair, pegar uma
condução e disponibilizar tempo. Talvez porque a troca de
percepções de modos diferentes de ver
o mesmo assunto demanda reflexão a partir de outro ponto de vista e
isso cansa. Talvez porque seja mais fácil colocar sua versão dos
fatos numa rede
e ver o número de corações que essa visão provoca.
Talvez preencher a vida com encontros de pele,
olho e silêncio esteja sendo dissolvida. Só espero que, no próximo
abrir de geladeira, eu volte a procurar: ovos, água e o que lá
habite.
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