domingo, 19 de maio de 2024

Uma das coisas que se pode fazer com um livro.


 

Um dia se percebeu imóvel numa cama, no quarto de um hospital. Deu-se conta de que vivia enclausurado naquele espaço e sua alma foi ganhando contornos de amargura. Sua mente era tormento e solidão.

Não conseguia escutar as palavras doces que por ventura alguém lhe trazia. Simplesmente havia anulado o mundo exterior. Entendia-se amorfo, um parasita. Suas pernas, seus braços: tudo era estático. Sua respiração apenas concretizava-se por aparelhos. O que dele surgiria a não ser dependência e incompletude? Pensava.

Uma enfermeira começou, nos momentos de folga, a ler seus livros para ele. Suas palavras tornaram-se histórias em seu mundo, que até então, era intransponível a qualquer um que se aproximasse.

Dia após dia, sua dureza teimosa em abreviar sua vida foi sendo quebrada. O ser estático transformou-se no ser mais viajante e aventureiro do mundo. Naquelas palavras, reconheceu que se tornara alguém que nunca havia sido. Nos livros, sua vida fez morada. Deixou de ser prisioneiro de seu próprio corpo

Um mês, foi o período que os médicos haviam delimitado para sua existência. Esse tempo foi elastecido para um ano de inúmeras paisagens, emoções, aventuras. Sua espera rançosa pelo fim foi transformada em esperança por recomeços até que chegou a hora do ponto final.

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